Perda do Reflexo: “La Elegida”, de Lilian Elphick


Paula ha tenido la gentileza de escribirme y me envió su tesis. En el capítulo III, la autora estudia el cuento “Amor”, de Clarice Lispector, y “La elegida”. Finaliza con un análisis comparativo entre ambos textos. Agradezco a Paula haber elegido este texto para su corpus de estudio, y me llena de satisfacción estar junto a Clarice Lispector, a quien yo admiro por sobre todas las cosas.

Por Paula Vera Bustamante de Lima

Para André Breton, a rua é o único campo de experiência legítimo; nela a epifania pode se mostrar e surpreender o cidadão. A rua se transforma não só no campo da vivência e do conhecimento, mas também no campo da revelação do acaso, que se fragmenta na cidade sob os reflexos que ela mesma produz. O acaso se reflete nos milhares de olhos da cidade. Assim também pensava Walter Benjamin ao refletir sobre Paris, a Cidade Luz, que em cada uma de suas ruas e esquinas podia conter uma revelação - fosse numa saída para a “conquista de livros”, no devaneio pelas ruas ou ao sentir o aroma de seus cafés. Tudo que rodeava Benjamin se transformava numa revelação e ele se empenhava, como Baudelaire, em desvendar os mistérios da cidade.

Benjamin entende que “a cidade se espelha em milhares de olhos, em milhares de objetivas. Pois não apenas o céu e a atmosfera, nem apenas os anúncios luminosos nos bulevares noturnos, fizeram de Paris a Ville Lumière - Paris é a cidade dos espelhos: o espelhado do asfalto de suas ruas. (...) Espelhos são o elemento intelectual desta cidade, seu brasão, no qual se inscreveram os emblemas de todas as escolas poéticas”.

Assim como a cidade se espelha, também se lê. Ela é para Benjamin um livro que precisa ser lido; cada nome de rua, cada praça, cada bulevar, tudo é para ser lido, decifrado e compreendido. Esta é a tarefa do cidadão que surge na poesia de Baudelaire, a tarefa do flâneur: o perder-se na cidade e descobri-la em seus mínimos detalhes.

O flâneur, um dos paradigmas benjaminianos, é aquele que possui um forte “interesse pelo espetáculo da cidade. (...) O flâneur [está] impregnado pelo tédio perante a vida e pelo gestus da espera”. Assim como a protagonista do conto “La Elegida”, de Lilian Elphick, a flâneuse que vaga pelas ruas de Santiago, onde raramente chove, para contemplar a cidade molhada e esperar que alguma coisa extraordinária aconteça nela.


En Santiago no llueve nunca, pero hoy sucede lo contrario: (...) La casa [está] oscura, un poco fría, salgo.

Camino por ciertas calles que no tienen salida directa sino que dan vueltas y vueltas, terminan en plazoletas y luego continúan. Me gusta perderme y caminar sin rumbo bajo esta lluvia.

A flâneuse anônima se surpreende nessa noite com a inusitada chuva e, apesar do frio, sai de casa, atendendo aos chamados da misteriosa cidade. A chuva dessa noite prenuncia algum descobrimento inusitado.

Entregue a um andar sem rumo, por ruas sem saída que davam voltas em torno de si, deixa-se conduzir pelo chamado da cidade até uma esquina. Me gusta perderme y caminar sin rumbo bajo esta lluvia.” Ali se produz a convergência do processo da revelação: uma jovem mulher está parada, aparentemente esperando atravessar a rua. Sem deixar de observar o comportamento estranho dessa mulher que se balança na calçada com as mãos nos bolsos, a flâneuse finge comprar alguma coisa numa banca de verduras. Percebe que a mulher continua se balançando, com o olhar fixo no chão. A flâneuse caminha decidida até ela, mas o que fará, o que lhe dirá? Limita-se a observá-la detidamente. Ambas estão ensopadas sob a chuva e nenhuma mostra grande preocupação com isso. Duas mulheres próximas, solitárias e silenciosas, numa segunda-feira chuvosa que parece irreal: “Igual que [yo] (...), no espera nada de este día imaginario.”

Mas elas se olham, sorriem e quebram o silêncio da noite opaca, sem falar do tempo ou de algum convencionalismo. A cidade permite nessa noite que as formalidades fiquem de lado para dar espaço à verdade. Assim, a protagonista – narradora da diegese – fica sabendo que a mulher tinha procurado emprego durante horas, sem sucesso. A tristeza da mulher faz surgir uma compaixão no ar. A narradora reflete na linguagem o estado de espírito daquela mulher: “El desánimo le [surgía] feroz de sus ojos grises.” E aproveita o espaço das confissões para contar “una historia de abandonos y de calendarios inútiles.

Nenhuma parece importar-se com a chuva. Elas se interessam apenas, nesse momento, em compartilhar suas vidas nem que seja por alguns instantes; o que importa é anular a solidão, embora fugazmente.

Para Walter Benjamin a cidade se lê, se decodifica, se decifra. Para a flâneuse, observar e escutar a mulher da cidade é interpretar sua forma de perceber a realidade e descobrir nela a fatalidade que impregna seus olhos, a forma como enxerga a vida, sem possibilidades de salvação, a não ser para os eleitos.


– El mundo se va a acabar – me dice serenamente – pero quedarán algunos, los elegidos.

Apenas os escolhidos habitarão a terra depois da destruição do mundo conhecido – essa é a mensagem que fica pairando no ar. Nesse momento a narradora-personagem percebe que a mulher não se sente escolhida pela vida, sua crônica falta de emprego e sua endêmica decepção parecem fechá-la para a descoberta de novos horizontes.

As duas mulheres solitárias saem andando de braços dados, como se elas se conhecessem por toda a vida. A flâneuse se sente à vontade com ela, se identifica, de certa forma, com sua teoria dos escolhidos, porque ela também não se sente escolhida pela vida.

Entram num café e conversam por horas, enquanto lá fora a chuva continua caindo, incessante. Nenhuma quer ficar sozinha nessa fria noite, dilatam as despedidas, embora a protagonista não espere nada mais dela. Surpreendentemente, a moça propõe caminhar até o centro da cidade para matar o tempo - ou recobrá-lo, talvez.

É o momento do flanar baudelairiano, a arte de caminhar pelas ruas, olhando as vitrines das lojas como se fosse o grande espetáculo da noite, mas na verdade é uma caminhada triste, uma flânerie na qual o olhar permanece fixo, taciturno, apenas para desejar internar-se na essência dos objetos contemplados, fazer parte deles para descobrir o sentido das coisas da vida e de suas próprias existências. É uma flânerie do desespero e da solidão. A falta de comunicação e de perspectivas parecem a tônica desse andar à toa pela cidade.

Caminamos lentamente por calles que yo conozco demasiado, algunas veces ella se detiene a mirar las vitrinas. Sin embargo ella no mira, sus ojos se pierden en un camino recto, interminable, atraviesan los maniquíes, como si quisieran ir más allá de todo.

A flâneuse, que já conhecia de cor as ruas dessa Santiago fictiva, propõe, depois de uma hora de peregrinatio com a companheira escolhida pelo destino citadino, ir até um hotel, mudando com essa sugestão o cenário da experiência epifânica; de um lugar público, as ruas da cidade, para um lugar privado, um quarto de hotel. Novamente o confronto surge entre o exterior e o interior em que os personagens procuram as respostas a suas inquietações. Nem ela mesma entende o porquê de seu convite; questiona-se por que não a convidara a ir a sua própria casa, mas conclui que seu encontro foi permitido apenas por alguns instantes e, se elas fossem até sua casa, talvez a magia dessa situação inesperada desaparecesse.

No entiendo mi propia invitación, por qué no a mi casa, allí estaríamos solas, sin interrupciones, además hace tiempo que ya no recibo visitas inesperadas. Pero, ¿por qué este querer estar solas?, sé que ella también lo siente, por eso nuevamente acepta, sin mirarme, aunque le adivine su sonrisa de pecados secretos.

O hotel, um espaço neutro, permite o contato das duas mulheres livremente, sem autocensuras, porque para as duas certos pecados deveriam ficar ocultos dos olhares indiscretos do cânone, que repudia os casos de paixões proibidas. Por isso, esse hotel de casais, sigilosos e escondidos, se apresenta como o lugar ideal para libertar esses pecados ominosos. Já o espaço da casa, que simbolizava na era matriarcal o espaço da segurança, dos vínculos e da familiaridade, é agora um lugar estranho, desconhecido, que serve apenas para ser habitado. Para a narradora, a casa é o lugar mnemônico de aflição onde se reencontra com sua solidão cotidiana, por isso ela sente que é melhor evitar esse encontro feminino no espaço do domus frio.


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Foto: Michael Ezra